Wellington Pereira Rodrigues tinha tudo para ser um cidadão comum. Paulista de Lins, optou por ter uma vida simples, sem extravagâncias, marcada pela voz serena de quem usa o tempo livre para se dedicar à religião. Nada muito diferente do resto dos brasileiros se ele não tivesse uma segunda identidade, usada em campo, quando veste a armadura tricolor e se transforma em Gum, o guerreiro. Não um simples guerreiro, mas um combatente que trouxe todo um batalhão consigo, capaz de transformar em sonho o que era pesadelo para milhões de torcedores do Flu por todo o Brasil.
Com a cabeça enfaixada para proteger cinco pontos no supercílio, o zagueiro batizou a geração que pode ser eternizada nas Laranjeiras com uma vitória que valerá o título do Brasileirão domingo, às 17h (de Brasília), no Engenhão, contra o Guarani. Isso porque aos 47 minutos do segundo tempo da partida contra o Cerro Porteño, pela semifinal da Copa Sul-Americana, no dia 18 de novembro de 2009, ele aproveitou um rebote da zaga paraguaia, ajeitou o corpo e disparou um chute certeiro no fundo da rede paraguaia, garantindo a classificação tricolor para a final da competição. Neste instante, o Maracanã ecoou um grito uníssono: “Gum Guerreiro! Gum Guerreiro!”. Apelido que marcou a equipe que trocou o rebaixamento pela possibilidade de ser campeã do Brasil.
Gum, o responsável pelo apelido "Time de Guerreiros", posa para foto
- Foi algo que me marcou muito. A partir dali, começaram a me chamar de guerreiro. Depois disso, toda a equipe passou a ter essa gana a mais, começamos a ser chamados todos de guerreiros. Mudamos o que era quase impossível – afirma o camisa 3 do Flu.
A coragem demonstrada em campo, no entanto, é uma característica de Gum. Afinal, é preciso ter muita ousadia para ignorar conselhos de amigos e familiares e se transferir para um clube quase fadado ao rebaixamento. Ele aceitou. E com seu jeito “nada boleirão” de ser conquistou a confiança de Cuca (treinador na época) e do grupo. A voz mansa não impede o zagueiro de ser, ao lado de Conca e Fred, um dos líderes da equipe.
- Dentro de campo, temos que pensar muito, não podemos querer arrumar confusão. É algo que não vai levar a nada. É preciso se concentrar. Graças a Deus tenho poucas expulsões na carreira e esse pensamento de ser um cara com a cabeça no lugar só me ajuda. Por isso, sou um cara com liderança, o pessoal me respeita.
Líder e goleador. Em pouco mais de um ano de Flu, Gum já balançou as redes adversárias 10 vezes e sonha repetir a dose domingo diante do Bugre, seu antigo rival dos tempos de Ponte Preta. O gol do título é um desejo, já em detalhes: feito com a cabeça que leva os cinco pontos da batalha diante do Cerro.
Os pensamentos para a partida contra o Guarani, a personalidade recatada, a forte ligação com a religião evangélica e o sonho de virar pastor foram algumas das revelações feitas por Wellington, o Gum, no bate-papo que o leitor do GLOBOESPORTE.COM confere abaixo:
Você é um jogador que ficou marcado por chegar ao clube justamente no pior momento do ano passado, com cerca de 99% de risco de rebaixamento, e, coincidência ou não, depois participou de toda a arrancada que pode terminar com o título no próximo domingo. Queria que você falasse de tudo que viveu neste período.
À paisana, Gum vira Wellington, um cara tranquilo e
religioso
Quando cheguei, foi muito difícil e complicado. A maioria das pessoas não acreditava na recuperação da equipe. Familiares e amigos disseram para eu não vir para o Fluminense, que o time seria rebaixado. Mas graças a Deus tenho uma fé inabalável. Confiei que seríamos abençoados, acreditei e trabalhei muito para isso. Junto com o Cuca, quando ele começou a mudar a equipe, que foi justamente quando cheguei, buscamos conversar com o pessoal para dar um ânimo novo e foi onde tudo começou. Revertemos uma situação que era praticamente impossível e comecei minha história no Fluminense.
Uma história que, imagino. tenha tido o ponto mais alto na partida contra o Cerro Porteño, pela semifinal da Sul-Americana, quando você marcou o gol que garantiu a vaga na decisão mesmo lesionado. A partir dali, começou toda história dos guerreiros, e você foi o primeiro a ser chamado assim. Quais suas recordações desta noite?
Neste jogo contra o Cerro, a torcida já estava começando a gostar do meu trabalho, percebia minha dedicação pelo clube. Fui abençoado por fazer o gol no fim mesmo com uma lesão na cabeça que me rendeu cinco pontos no supercílio. Foi algo que me marcou muito. A partir dali, começaram a me chamar de guerreiro. Depois disso, toda a equipe passou a ter essa gana a mais, começamos a ser chamados todos de guerreiros. Fico feliz por esse reconhecimento.
Você acha que esse episódio foi importante também para dar mais força para um grupo que vinha desgastado de inúmeras decisões e pressionado por não poder perder?
Com certeza. Saímos de uma situação muito complicada, e, se não colocássemos o coração para jogar e superar as dificuldades, não conseguiríamos mudar a história. Nesse jogo contra o Cerro, o Cuca até ia me tirar da partida, mas fiquei desesperado e, mesmo sangrando, disse que ia voltar. Coloquei uma faixa na cabeça, voltei e fui abençoado. Isso marcou. Todos viram minha vontade, meu desejo de não deixar o time desfalcado em um momento em que a decisão estava indo para os pênaltis. Conseguimos vencer depois e nos fechamos para que saíssemos de qualquer jeito da situação que estávamos. Agora, estamos na história não só do Fluminense, mas na do Brasil. Mudamos o que era quase impossível.
Quando você ouviu pela primeira vez o grito “Gum Guerreiro” logo identificou o que a torcida estava cantando? Qual foi seu sentimento em campo?
Achei muito legal. Foi algo que não esperava. Já gritavam meu nome durante a saudação (antes dos jogos) e isso acabou virando uma marca. Fiquei muito feliz. Me dediquei, mesmo machucado não quis deixar a equipe, e esse reconhecimento me deixou muito feliz. A partir dali, a responsabilidade só aumentou, a vontade de querer correr mais pelos torcedores também.
E o “Guerreiro” virou uma marca para onde quer que você vá ou é algo ligado somente ao Fluminense?
Futuramente vou falar para os meus filhos: “Isso (a cicatriz) foi em um jogo que papai se doou muito e se machucou por uma vitória, mesmo machucado”"
Gum
Minha característica sempre foi de se doar muito. Mesmo com uma dorzinha ou não, sempre quero jogar. Me cuido muito. Dou o máximo. Mas acho que isso marcou pelo Fluminense, não tem como tirar. Foi a torcida que colocou. Não planejei nada. Esse apelido é algo especial para o Fluminense.
Por falar em marca, você pode até ganhar a medalha em caso de título, mas a marca eterna é essa cicatriz no supercílio esquerdo dos cinco pontos da partida contra o Cerro. É algo que você olha no espelho e pensa que valeu a pena?
Rapaz, sinceramente, não gostaria de ter isso, não (risos). Mas é algo que acontece. Vai ficar marcado. Futuramente vou falar para os meus filhos: “Isso foi em um jogo que papai se doou muito e se machucou por uma vitória, mesmo machucado”. Só que até minha esposa brincou e disse para eu me cuidar mais e não me machucar (risos). Mas é algo especial, sim, de uma época que não vai só no pensamento, no coração. Está na pele.
O “Guerreiro” sabemos de onde veio. E o apelido Gum, como surgiu?
É algo que é até complicado dizer. Não tem muita explicação. Foi um apelido de infância que um primo colocou quando eu tinha uns quatro anos. Acabou pegando. Depois, também no Marília. Quando me aproximei do profissional, muitos perguntavam, e fui atrás do meu primo. Ele respondeu: “Poxa, me desculpa, mas não lembro mais”. Ficou assim, mas ninguém sabe de onde veio. Acabou pegando.
Você é um zagueiro que faz muitos gols desde a época da Ponte Preta. Como surgiu essa sua aptidão ofensiva? É algo que você busca se aprimorar?
Nas escolinhas, até joguei na frente, mas preferi ser zagueiro por ter facilidade para atacar e defender. Além disso, há poucos zagueiros, todo mundo quer atacar, e acabei me destacando assim. No profissional do Marília, comecei a me preocupar. Pensei: “Estou bem aqui, mas preciso fazer gols. Para um zagueiro se destacar, tem que ter algo diferente”. Foi quando comecei a jogar no ataque nos recreativos. Aprendi a finalizar, fazer gols, e comecei a fazer também nas partidas. Peguei gosto. E graças a Deus estou sendo feliz.
Neste Brasileirão de pontos corridos, em duas ocasiões, em 2006 com o Fabão e 2009 com o Angelim, zagueiros decidiram a competição. No seu íntimo há o desejo de ser o herói contra o Guarani?
Já me lembraram essas situações, e penso e rezo, sim, para ser abençoado. É algo que está nas mãos de Jesus. Nada acontece por acaso. Seria uma benção para mim, a torcida do Fluminense ia ficar feliz. Se acontecer, vou glorificar a Deus.
Você é um cara muito calmo, ao contrário do estereótipo que muitos têm para zagueiros. Se controlar é uma coisa que você procura intimamente?
Em campo, Gum se transforma no guerreiro tricolor: sem brincadeiras
Quando eu era criança, era bem agitado. Mas depois que me converti, Deus me deu essa sensatez, esse equilíbrio. Dentro de campo, temos que pensar muito, não podemos querer arrumar confusão, briga. É algo que não vai levar a nada. É preciso se concentrar. Se exaltar só gera cartões, brigas e atrapalhamos a equipe. Graças a Deus tenho poucas expulsões na carreira e esse pensamento de ser um cara com a cabeça no lugar só me ajuda. Por isso, sou um cara com liderança, o pessoal me respeita.
Queria que você falasse sobre o seu estilo, que foge totalmente do tradicional “boleiro”. Não usa roupas de grife nem tem cabelo na moda, brincos, acessórios...
Sou totalmente o contrário disso. Há o pessoal que é boleirão, mas eu sou um cara família, centrado... Não tenho brinco, cabelo com frescura. Tenho uma postura diferente. Sou família, não tem negócio de bagunça à noite. Minha concentração é para conquistar os objetivos e seguir a Deus. Com uma família estruturada, o profissional de qualquer área rende mais. Por isso digo: tenho uma casa, uma esposa abençoada, e assim o Fluminense só tem a ganhar.
Dá para ver que sua relação com a religião é muito forte. Quando e como começou?
Meu testemunho é algo muito forte. Tive um encontro com Jesus. Conheci a palavra de Deus no Marília com outros jogadores evangélicos. No começo, não gostava, ia porque me convidavam, mas achava chato. Depois comecei a entender a palavra de Deus lendo a bíblia. Passei a gostar sem se converter. Até que um dia tive um sonho que o mundo estava acabando, eu estava desesperado, caía bola de fogo do céu, e isso me marcou. Neste sonho, minha irmã, que era convertida, ia para o céu, e eu não. Acordei chorando, pedindo perdão e queria uma confirmação. Sonhei novamente a mesma coisa e vi que precisava ter uma postura diferente. A partir daí, comecei a buscar e depender muito de Deus. Desde então, tenho um lar abençoado, temos alcançado outras pessoas e abençoado outras vidas. Isso marcou.
Mudou muito seu dia a dia? Você era um cara da noite e depois parou?
Não era muito de sair, mas não fazia o que a palavra de Deus pede. Fazia coisas vistas como normal, mas que não são normais. Sou um cara família, que respeita a esposa, os filhos, pai, mãe... Há muitas coisas acontecendo no mundo e pessoas que não fazem isso acham que é normal. É preciso ter amor ao próximo. Hoje em dia, por coisas simples, briga matam. Temos que amar ao próximo e respeitar quem quer que seja. Independentemente do status.
Você pensa em virar pastor?
Penso, sim, em ajudar. Deus vai me falar o que posso. Tenho muita vontade e teria o maior prazer em virar pastor, em evangelizar. Passar as mensagens da bíblia. É muito importante saber conhecer e compreender o motivo de eu ter essa postura.
Agora, em semana decisiva, você tem alguma superstição ou fez alguma promessa?
Só falo que oro muito e peço a Deus. Ele sabe o quanto quero ser campeão. Pedi o gol não pela minha glória, mas pela glória dele e alegria dos torcedores e familiares. Mas mesmo que não aconteça, sou muito grato e sei o quanto já sou abençoado.
Quando você fecha o olho e pensa na partida, como vê um possível gol seu?
Primeiro, penso em fazer uma grande partida com o Leandro Euzébio para dar uma tranquilidade a mais para o torcedor e nossos atacantes lá na frente, mas penso, sim, também em um escanteio ou uma bola parada fazer o gol de cabeça para matar o jogo e comemorar o título.
Você jogou um bom tempo na Ponte Preta. Já fez algum gol no Derby de Campinas?
Nunca. Joguei duas vezes, passaram algumas bolas perto da trave, mas nunca entraram. Espero que aconteça agora. Que o melhor tenha ficado reservado para este feito histórico.
Quando acabou o jogo contra o Coritiba, que evitou o rebaixamento em 2009, você imaginava um ano depois poder ser campeão?
Sinceramente, não dava para acreditar, não. Comemoramos muito, sabíamos das dificuldades que passamos e que era necessário se reestruturar para tudo não acontecer de novo. Mas contrataram o Muricy, jogadores de ponta, e vimos que o clube queria mesmo ser campeão. Mudou nossa mentalidade.
Por fim, você acha que chegou a hora do time deixar de ser de guerreiros para se tornar de campeões?
Não quero que deixe de ser de guerreiros, quero que seja de guerreiros campeões. Vai ser um feito que vai juntar o ano passado, a reestruturação da equipe e o que fizemos neste ano para o trabalho ser concluído com o título. Acho que nunca aconteceu uma equipe quase ser rebaixado e já no ano seguinte ser campeã. Vai ficar marcado, ficar na história do Campeonato Brasileiro.
Gum celebra gol contra o Cerro Porteño: origem do apelido "Guerreiro"
Fonte: Globo.com
Marivaldo \Lima
é isso aí felizaça com a vitoria do fluzão.e vamos comemorar fazer a festa , valeu a pena esperar eses longos vinte e seus anos. só dar nos fluminenseeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee
ResponderExcluirEu bem que poderia ta fazendo festa hoje,era torcedora forte do fluminesse más não sei por que acabei me aderindo para o time do flamengo, torcendo pra que ele volte numa fase melhor e possamos fazer festa tambem...Ah ia me esquecendo que historia comovente essa do Gum..bjus mari.
ResponderExcluir